Presidente da ABRASCA fala da contribuição da entidade à transparência e faz o balanço dos fatos importantes do ano

Às vésperas de presidir a entrega de uma das mais cobiçadas homenagens do mercado financeiro, o Prêmio Abrasca Melhor Relatório Anual, agora em sua 12ª edição, o presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas, Antonio Castro, se considera gratificado. A iniciativa da Abrasca contribui, avalia, para fortalecer nas empresas a percepção do valor da transparência, “conquista que não deve ser afetada”.
Como evidência desse valor, ele cita a recente reforma do Novo Mercado e dos segmentos especiais de negociação da Bovespa. “As regras que tinham a ver com o tema foram todas aprovadas – não houve nenhuma grande rejeição”, diz. “Isso reflete a sensação de que as empresas, para serem bem percebidas pelo mercado, para serem bem aceitas pelo investidor, têm uma necessidade imensa de ser o mais transparentes possível. Principalmente as que têm pouco tempo de mercado estão mudando sua história.”
Na entrevista que se segue, além de falar sobre o prêmio, Castro faz um balanço das ocorrências de 2010 – praticamente no fim, dada a peculiaridade do calendário do mercado financeiro. “Um ano rico”, resume, marcado por dois acontecimentos importantes, a citada reforma dos segmentos de elite da BM&FBovespa e o megalançamento de ações da Petrobras.
Antes de traçar as prioridades para 2011, Castro naturalmente se debruça mais sobre um dos temas do qual mais se ocupou neste ano: a elaboração do código de autorregulação para as companhias abertas. Voltado à aplicação de boas práticas de governança, o código traz como novidade a adoção do princípio comply or explain (pratique ou explique), inspirado no Combined Code on Corporate Governance, em prática na Bolsa de Londres: a empresa que não adotar certas regras deve explicar por que o faz. A expectativa é a de que o código seja aprovado numa reunião do conselho da Abrasca marcada para o dia 28 deste mês. “Só expectativa”, acautela Castro. “Como manda a boa governança, não se pode garantir o resultado de uma reunião antes que ela aconteça.”
Razão Contábil – A Abrasca entrega no próximo mês, pela décima segunda vez, os prêmios aos melhores relatórios de empresas. O prêmio tem estimulado as companhias a aprimorar suas apresentações?
Antonio Castro – A evolução tem sido muito grande; a gente vê isso ano após ano. Na entrega do prêmio deste ano, um tópico muito interessante será tema de palestra do professor Lélio Lauretti: a adoção do relatório único. (Mais informações a respeito na reportagem seguinte.) Hoje, muitos acionistas e investidores reclamam do fato de receberem em épocas distintas o relatório anual de resultados da companhia e o relatório social. Esse estranhamento é natural, pois o stakeholder costuma ver a companhia como uma unidade só e não lhe agrada ver seu desempenho aos pedaços. O tema que estamos trazendo à discussão é que o relatório se torne uma peça única, divulgada em uma data só. Não estamos falando necessariamente de uma publicação impressa, mas da divulgação, seja por qual meio for, inclusive a internet, que vem sendo utilizada por um crescente número de companhias.
RC – A Abrasca já fez alguma aproximação com as empresas para saber se gostam da ideia?
AC – O tema já vem sendo discutido e talvez não tenha evoluído na velocidade desejada, pois envolve coisas específicas, como o fato de que balanços sociais seguem diversas metodologias. E também porque as pessoas que se dedicam a esses últimos não estão necessariamente envolvidas com o relatório anual e às vezes seguem cronogramas diferenciados. Minha impressão, no entanto, é que já há muitas empresas que já estão seguindo essa filosofia do relatório único.
RC – Entramos no último trimestre de 2010 e já é possível tentar fazer um restrospecto do ano, que foi cheio de acontecimentos no mercado. Como foi este ano para as companhia abertas?
AC – Foi, sem dúvida, diferenciado, em vários aspectos. Houve uma expectativa muito grande, não só dos investidores como das próprias empresas. Sobre como ia ficar a revisão das normas do Novo Mercado e dos segmentos especiais de negociação da Bolsa. Outro acontecimento importante foi a capitalização da Petrobras. A sensação que dá é que muitas operações, IPOs principalmente, mas também complementares, de empresas que já têm capital aberto ficaram freadas até o desfecho. Obviamente, a gente espera que tornem a andar agora em outubro e novembro.
Para a Abrasca particularmente, este foi um ano rico, de muito trabalho feito, principalmente na reta final desse processo de revisões de regras do Novo Mercado – como havia muitas empresas com preocupações sobre o andamento, naturalmente se aproximaram da entidade para saber como seus pares, que vivem situação similar, pensam a respeito.
RC – Sobre a revisão do Novo Mercado, qual é a sua avaliação do resultado?
AC – O resultado foi muito bom. Houve críticas quanto à velocidade do processo, que durou quase dois anos, mas a verdade é que a Bolsa fez um excelente trabalho, pois o que privilegiou foi a instalação de um fórum de discussão muito amplo. Tudo isso em um processo amplamente democrático, que culminou com as propostas colocadas em votação
RC – Mesmo com a rejeição das chamadas propostas polêmicas?
AC – No final da linha, restavam como polêmicos apenas três pontos, mas, se voltarmos um pouco atrás no tempo, havia mais do que três. A expectativa da Abrasca, comentada com a Bovespa ao longo do processo, era a de que aqueles três pontos dificilmente seriam aprovados (*). Mas havia outros dois também cercados de incertezas. Um deles era o do acúmulo dos cargos de presidente da companhia e presidente do conselho. Nesse caso, ao final a Bovespa teve muito bom senso em flexibilizar a exigência, dando o prazo de três anos para que as companhias façam a adaptação, o que bastou para que essa revisão fosse aceita. Em algumas empresas onde há essa coincidência de mandatos, as pessoas que os exercem têm uma liderança muito forte; então, alguns acionistas gostam dessa situação e veem naquela pessoa um comandante eficiente para a companhia.
O segundo ponto que eu gosto de salientar é sobre a política de negociação de valores mobiliários. Quem acompanha o trabalho da Abrasca vai lembrar que, há mais ou menos três anos, a entidade lançou um manual sobre controle de divulgação de informações relevantes. A condição fundamental, obrigatória, para a ade­são a esse manual era exatamente a de que as empresas adotassem formalmente, e se comprometessem a divulgá-la, uma política de negociação de valores mobiliários. A adesão a essa proposta foi muito pequena: não chegou a 30 empresas. O trabalho feito no período de dois anos corridos de lá até quando a Bovespa iniciou o processo de revisão do Novo Mercado abriu espaço para uma discussão muito ampla sobre o tema. Obviamente, foi muito importante a revisão no conceito de pessoas vinculadas para afastar a preocupação de um grande número de empresas. E registrou-se um sucesso absoluto, uma aprovação quase unânime, pois houve apenas três votos contrários, um em cada segmento – Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2.
RC – E quanto aos três pontos, foram rejeitados?
AC – Creio que, dos três, talvez o que tenha gerado mais polêmica tenha sido aquele da Oferta Pública de Ações (OPA). Em minha opinião, essa reação aconteceu mais pelo detalhe que foi colocado ao conceito da OPA do que pela simples proposta de se fazer a operação quando o mercado atingir 30%. Houve quem achasse que deveria haver espaço para avaliação de situações excepcionais. O que eu quero destacar é que essa regra ficou condicionada a uma definição da fixação do preço da OPA, que seria o valor de mercado mais alto dos últimos doze meses. Isso eliminou a possibilidade de aprovação, pois eu diria que as companhias estavam bastante abertas para aceitar a alternativa de opção pelo valor econômico. Por que isso? É sabido que o mercado de ações brasileiro tem às vezes momentos de imensa volatilidade. Comentei, em um artigo, que o corredor de volatilidade do índice Dow Jones, por exemplo, no período de doze meses ou ao longo de um ano, é de 30% para cima ou para baixo; no Brasil essa oscilação pode ser muito maior; a gente já teve o índice dividido por três ou multiplicado por três. A preocupação que houve é que a aplicação daquela regra, em momentos de alta volatilidade pode representar a definição de um preço muito baixo e que, naquele momento pode ser irreal. Obviamente, isso eliminaria a hipótese, por exemplo, de uma companhia tentar uma participação maior em outra que esteja até em uma situação de risco. Minha sensação é que permanece como saída para esse tema a proposta que a Abrasca apresentou, em nome de suas companhias, de que, além da fixação do preço pelo valor de mercado mais alto dos últimos doze meses, fosse aceita também a opção pelo valor econômico. Se tivesse sido aceito, não garanto que receberia aprovação, mas certamente não teria sofrido uma rejeição tão forte. (A proposta foi rejeitada por 60 e aceita por 33 das 105 empresas no Novo Mercado consultadas.)
RC – Ou seja, foi o fato de descer a detalhes que levou à rejeição da proposta?
AC – Sim. Houve um excessivo detalhamento apenas para um mecanismo de fixação de preço. Descer a detalhes é uma característica brasileira, está em nossa cultura, é uma tentação na qual todos caímos. Digo isso porque nós mesmos, na Abrasca, durante o trabalho de elaboração de nosso código de autorregulação às vezes nos surpreendemos nessa prática.
RC – Com a revisão terminada, as atenções se voltam agora para os objetivos ambiciosos de médio prazo que a Bolsa estabeleceu: chegar a 2014 com cinco milhões de investidores individuais e, naquele mesmo ano, ter dobrado o número de companhias do pregão. Qual é sua opinião a respeito dessas metas?
AC – Olho de forma extremamente otimista ambos os projetos. No caso da atração de mais investidores pessoas físicas, a Bolsa já provou ser capaz, pois fez isso ao longo dos últimos anos. Um dos grandes sucessos no Brasil foi inserir tanta gente nova no mercado, por força de um processo educacional que tem êxito, ao qual a Bolsa, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e as próprias entidades de mercado dão grande valor.
Quanto à atração de mais empresas, obviamente a Abrasca vai ser uma parceira muito grande nesse projeto. Certamente, a ABVCA (Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital) tem grande interesse. Quando a gente fala de capital aberto, não fala apenas de empresas que se registram na CVM e podem fazer operações de dívida; a gente realmente quer vê-las no mercado de ações. Nesse ponto, o Brasil tem de invejar outros mercados – como a Índia, que, salvo engano, tem 5 mil empresas abertas, ou Hong-Kong, em cuja bolsa são negociadas mais de mil empresas. O Brasil tem certamente um potencial de possuir mais de mil companhias listadas. Tenho a impressão de que, para que esse processo tenha sucesso no Brasil, será necessário olhar dois pontos: redução de custo e flexibilização de regras.
Uma das queixas das empresas quanto à abertura de capital é o custo que têm para manter tal condição – nesse ponto, custo, a Bovespa já pensou, ao criar o segmento BovespaMais. Mas a flexibilização deve passar pelo terreno regulatório: simplificar regras. Por exemplo, o regulador obriga a empresa de capital aberto fazer publicações mais extensas; sabemos que essa publicação custa dinheiro. A questão do custo vale não apenas para pequenas empresas, mas para grandes também. Outro desafio no esforço de atrair novas companhias ao mercado é vencer a resistência natural delas, dada a origem familiar da maioria. É um tema de alta complexibilidade, mas o que se tem visto é que a Bovespa, quando se dedica a determinado trabalho, normalmente o faz. E muito benfeito. Não é um trabalho que apresente resultado em curtíssimo prazo, mas acredito que para companhias de menor porte, desde que haja êxito na flexibilização de normas e na redução de custos, possa haver um aumento significativo de aberturas de capital; as grandes, também afastados aqueles empecilhos, vão requerer um esforço extra de convencimento.
RC – Há indícios de que tais empecilhos possam ser removidos?
AC – Percebo que o pessoal da Bovespa já tem em mente alguma coisa com relação à flexibilização regulatória. O BovespaMais tem tudo para ser um sucesso absoluto, desde que ganhe aqueles componentes adicionais – garantia de redução de custos e flexibilização. Creio que a Bovespa abordará esses temas e a Abrasca será grande incondicional. Isso porque a maior preocupação de longo prazo que a Abrasca tem é exatamente esta: o pequeno número de empresas de capital aberto, apesar do valor expressivo delas, quando se vê o valor de mercado.
RC – Vamos falar de outro tema prioritário para a entidade: o Código de Autorregulação das companhias abertas, que, a esta altura, já deve estar saindo do forno.
AC – Mas até o fim deste mês encerramos a fase de ouvir comentários das entidades de mercado. Temos uma reunião do conselho marcada para o dia 28 (de outubro), na qual pretendemos aprovar o código. Depois da aprovação iniciaremos uma série de eventos dos mais variados tipos, para dar conhecimento ao mercado. Já temos acertado, por exemplo, um seminário em parceria com a CVM para o lançamento – que pode passar para o ano que vem, tendo em vista que o tempo é muito curto.
RC – A tarefa exigiu muito esforço?
AC – Esse trabalho, iniciado em março do ano passado, foi um processo um pouco mais longo do que imaginávamos. É que tomamos o cuidado de formar um grupo de trabalho, coordenado pelo Luiz Spínola, vice-presidente da Abrasca, constituído por seis advogados bastante conhecidos e familiarizados com o mercado de capitais, quatro experientes profissionais de relações com investidores e um representante desse grupo de empresas que chegaram mais recentemente à Bolsa. Dessa for­ma, ficaram cercados tanto o lado jurídico quanto os aspectos do cotidiano das empresas. Exigiu muita reflexão durante todo o tempo, mas é preciso ressaltar que recebemos um incentivo muito grande da CVM, com a qual trocávamos idéias.
RC – O que pode adiantar do código?
AC – Conforme disse anteriormente, nos disciplinamos para não produzir uma peça excessivamente detalhada. A essência do código é que determinados princípios de governança corporativa sejam adotados por todas as empresas, tanto as que já estão nos segmentos especiais da Bolsa, que são 40% do total, quanto as demais 60%. Além disso, é um documento que servirá de guia para as companhias que estejam pensando em abrir o capital. Aos princípios básicos do código as empresas têm de aderir obrigatoriamente. Depois, há aqueles complementos – regras ou recomendações – que estão sujeitos ao “pratique ou explique” (comply or explain), que é um princípio de transparência. Se determinada empresa não quiser adotar uma regra, terá de registrar por que está fazendo isso. Estamos discutindo com a CVM que essas explicações, de uma forma muito objetiva, sejam registradas também no Formulário de Referência (documento que as empresas têm de encaminhar obrigatoriamente à reguladora, por força da Instrução 480), em uma seção a ser criada especialmente para isso. No mais, o código transita pelos vários temas relevantes da governança corporativa, da responsabilidade dos administradores – conselho de administração e diretoria –, que é uma preocupação constante da CVM. Outros pontos que merecem destaque no código são: controles internos/gestão de riscos, partes relacionadas e, finalmente, as operações societárias – fusões e aquisições.
RC – Este último caso está em discussão de maior profundidade, isto é, se pretende criar aqui o take-over panel, um órgão regulador específico para aquele tipo de operação, nos moldes do que já existe no Reino Unido. Como está essa discussão?
AC – No ano passado, durante o 11º Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais, a Maria Helena (Santana, presidente da CVM) colocou como desafio para a Abrasca assumir a responsabilidade sobre a discussão daquele órgão. Nossa posição é a de que não caberia a uma só entidade tocar esse projeto, já que ele interessa não só às empresas de capital aberto, como aos bancos de investimento, associações de investidores e outros players do mercado financeiro. Voltamos à CVM e explicamos essa posição, o que foi recebido muito bem. Então, foi formado um fórum que está discutindo o tema, patrocinado pela BM&FBovespa, do qual estão participando a Abrasca, Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), e IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Creio que essa discussão terá uma evolução positiva, mas vamos segmentar o tema.
RC – No início da entrevista, o senhor citou como os dois grandes acontecimentos de vulto neste ano a reforma do Novo Mercado e dos segmentos especiais e a capitalização da Petrobras. O que significa o segundo para o mercado?
AC – Imagino que, terminada a operação, agora vão ser concluídos aqueles IPOs que estavam retidos, pois de início se esperava que o lançamento da Petrobras fosse para junho ou julho, acabou atrasando e as empresas preferiram ficar aguardando na fila. Vai ser muito positivo para o mercado, mas não acredito que deva se esperar um número muito grande de operações, até porque é uma janela de tempo muito curta, pois o calendário praticamente se esgota na primeira quinzena de novembro. Para sentir a volta de volumes grandes vamos ter de aguardar um pouco. É muito improvável um retorno ao padrão de 2007 (ano recordista, no qual se registraram 76 lançamentos de ações, 64 deles IPOs) mas estou relativamente otimista em relação a 2011. Creio que teremos um movimento significativo em termos de empresas que estão entrando no mercado.
RC – Quais são as prioridades anotadas na agenda da Abrasca para 2011?
AC – A primeira, naturalmente, é a implantação prática do código de autorregulamentação. Além disso, a Abrasca vai se dedicar fortemente, em parceria com a BM&FBovespa ao processo de estimular mais empresas a abrir o capital – insistindo naqueles dois pontos dos quais falei anteriormente, flexibilização de normas e redução de custos. Em terceiro lugar, vamos nos manter atentos para o tema da carga tributária, que é sempre uma prioridade, pois impede que as empresas tenham uma disponibilidade maior para investimentos e, pelo que observamos, é a maior restrição ao crescimento da economia brasileira. O preço da neutralidade tributária é a eterna vigilância.
Fonte: Revista Razão Contábil

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Presidente da ABRASCA fala da contribuição da entidade à transparência e faz o balanço dos fatos importantes do ano

Às vésperas de presidir a entrega de uma das mais cobiçadas homenagens do mercado financeiro, o Prêmio Abrasca Melhor Relatório Anual, agora em sua 12ª edição, o presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas, Antonio Castro, se considera gratificado. A iniciativa da Abrasca contribui, avalia, para fortalecer nas empresas a percepção do valor da transparência, “conquista que não deve ser afetada”.
Como evidência desse valor, ele cita a recente reforma do Novo Mercado e dos segmentos especiais de negociação da Bovespa. “As regras que tinham a ver com o tema foram todas aprovadas – não houve nenhuma grande rejeição”, diz. “Isso reflete a sensação de que as empresas, para serem bem percebidas pelo mercado, para serem bem aceitas pelo investidor, têm uma necessidade imensa de ser o mais transparentes possível. Principalmente as que têm pouco tempo de mercado estão mudando sua história.”
Na entrevista que se segue, além de falar sobre o prêmio, Castro faz um balanço das ocorrências de 2010 – praticamente no fim, dada a peculiaridade do calendário do mercado financeiro. “Um ano rico”, resume, marcado por dois acontecimentos importantes, a citada reforma dos segmentos de elite da BM&FBovespa e o megalançamento de ações da Petrobras.
Antes de traçar as prioridades para 2011, Castro naturalmente se debruça mais sobre um dos temas do qual mais se ocupou neste ano: a elaboração do código de autorregulação para as companhias abertas. Voltado à aplicação de boas práticas de governança, o código traz como novidade a adoção do princípio comply or explain (pratique ou explique), inspirado no Combined Code on Corporate Governance, em prática na Bolsa de Londres: a empresa que não adotar certas regras deve explicar por que o faz. A expectativa é a de que o código seja aprovado numa reunião do conselho da Abrasca marcada para o dia 28 deste mês. “Só expectativa”, acautela Castro. “Como manda a boa governança, não se pode garantir o resultado de uma reunião antes que ela aconteça.”
Razão Contábil – A Abrasca entrega no próximo mês, pela décima segunda vez, os prêmios aos melhores relatórios de empresas. O prêmio tem estimulado as companhias a aprimorar suas apresentações?
Antonio Castro – A evolução tem sido muito grande; a gente vê isso ano após ano. Na entrega do prêmio deste ano, um tópico muito interessante será tema de palestra do professor Lélio Lauretti: a adoção do relatório único. (Mais informações a respeito na reportagem seguinte.) Hoje, muitos acionistas e investidores reclamam do fato de receberem em épocas distintas o relatório anual de resultados da companhia e o relatório social. Esse estranhamento é natural, pois o stakeholder costuma ver a companhia como uma unidade só e não lhe agrada ver seu desempenho aos pedaços. O tema que estamos trazendo à discussão é que o relatório se torne uma peça única, divulgada em uma data só. Não estamos falando necessariamente de uma publicação impressa, mas da divulgação, seja por qual meio for, inclusive a internet, que vem sendo utilizada por um crescente número de companhias.
RC – A Abrasca já fez alguma aproximação com as empresas para saber se gostam da ideia?
AC – O tema já vem sendo discutido e talvez não tenha evoluído na velocidade desejada, pois envolve coisas específicas, como o fato de que balanços sociais seguem diversas metodologias. E também porque as pessoas que se dedicam a esses últimos não estão necessariamente envolvidas com o relatório anual e às vezes seguem cronogramas diferenciados. Minha impressão, no entanto, é que já há muitas empresas que já estão seguindo essa filosofia do relatório único.
RC – Entramos no último trimestre de 2010 e já é possível tentar fazer um restrospecto do ano, que foi cheio de acontecimentos no mercado. Como foi este ano para as companhia abertas?
AC – Foi, sem dúvida, diferenciado, em vários aspectos. Houve uma expectativa muito grande, não só dos investidores como das próprias empresas. Sobre como ia ficar a revisão das normas do Novo Mercado e dos segmentos especiais de negociação da Bolsa. Outro acontecimento importante foi a capitalização da Petrobras. A sensação que dá é que muitas operações, IPOs principalmente, mas também complementares, de empresas que já têm capital aberto ficaram freadas até o desfecho. Obviamente, a gente espera que tornem a andar agora em outubro e novembro.
Para a Abrasca particularmente, este foi um ano rico, de muito trabalho feito, principalmente na reta final desse processo de revisões de regras do Novo Mercado – como havia muitas empresas com preocupações sobre o andamento, naturalmente se aproximaram da entidade para saber como seus pares, que vivem situação similar, pensam a respeito.
RC – Sobre a revisão do Novo Mercado, qual é a sua avaliação do resultado?
AC – O resultado foi muito bom. Houve críticas quanto à velocidade do processo, que durou quase dois anos, mas a verdade é que a Bolsa fez um excelente trabalho, pois o que privilegiou foi a instalação de um fórum de discussão muito amplo. Tudo isso em um processo amplamente democrático, que culminou com as propostas colocadas em votação
RC – Mesmo com a rejeição das chamadas propostas polêmicas?
AC – No final da linha, restavam como polêmicos apenas três pontos, mas, se voltarmos um pouco atrás no tempo, havia mais do que três. A expectativa da Abrasca, comentada com a Bovespa ao longo do processo, era a de que aqueles três pontos dificilmente seriam aprovados (*). Mas havia outros dois também cercados de incertezas. Um deles era o do acúmulo dos cargos de presidente da companhia e presidente do conselho. Nesse caso, ao final a Bovespa teve muito bom senso em flexibilizar a exigência, dando o prazo de três anos para que as companhias façam a adaptação, o que bastou para que essa revisão fosse aceita. Em algumas empresas onde há essa coincidência de mandatos, as pessoas que os exercem têm uma liderança muito forte; então, alguns acionistas gostam dessa situação e veem naquela pessoa um comandante eficiente para a companhia.
O segundo ponto que eu gosto de salientar é sobre a política de negociação de valores mobiliários. Quem acompanha o trabalho da Abrasca vai lembrar que, há mais ou menos três anos, a entidade lançou um manual sobre controle de divulgação de informações relevantes. A condição fundamental, obrigatória, para a ade­são a esse manual era exatamente a de que as empresas adotassem formalmente, e se comprometessem a divulgá-la, uma política de negociação de valores mobiliários. A adesão a essa proposta foi muito pequena: não chegou a 30 empresas. O trabalho feito no período de dois anos corridos de lá até quando a Bovespa iniciou o processo de revisão do Novo Mercado abriu espaço para uma discussão muito ampla sobre o tema. Obviamente, foi muito importante a revisão no conceito de pessoas vinculadas para afastar a preocupação de um grande número de empresas. E registrou-se um sucesso absoluto, uma aprovação quase unânime, pois houve apenas três votos contrários, um em cada segmento – Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2.
RC – E quanto aos três pontos, foram rejeitados?
AC – Creio que, dos três, talvez o que tenha gerado mais polêmica tenha sido aquele da Oferta Pública de Ações (OPA). Em minha opinião, essa reação aconteceu mais pelo detalhe que foi colocado ao conceito da OPA do que pela simples proposta de se fazer a operação quando o mercado atingir 30%. Houve quem achasse que deveria haver espaço para avaliação de situações excepcionais. O que eu quero destacar é que essa regra ficou condicionada a uma definição da fixação do preço da OPA, que seria o valor de mercado mais alto dos últimos doze meses. Isso eliminou a possibilidade de aprovação, pois eu diria que as companhias estavam bastante abertas para aceitar a alternativa de opção pelo valor econômico. Por que isso? É sabido que o mercado de ações brasileiro tem às vezes momentos de imensa volatilidade. Comentei, em um artigo, que o corredor de volatilidade do índice Dow Jones, por exemplo, no período de doze meses ou ao longo de um ano, é de 30% para cima ou para baixo; no Brasil essa oscilação pode ser muito maior; a gente já teve o índice dividido por três ou multiplicado por três. A preocupação que houve é que a aplicação daquela regra, em momentos de alta volatilidade pode representar a definição de um preço muito baixo e que, naquele momento pode ser irreal. Obviamente, isso eliminaria a hipótese, por exemplo, de uma companhia tentar uma participação maior em outra que esteja até em uma situação de risco. Minha sensação é que permanece como saída para esse tema a proposta que a Abrasca apresentou, em nome de suas companhias, de que, além da fixação do preço pelo valor de mercado mais alto dos últimos doze meses, fosse aceita também a opção pelo valor econômico. Se tivesse sido aceito, não garanto que receberia aprovação, mas certamente não teria sofrido uma rejeição tão forte. (A proposta foi rejeitada por 60 e aceita por 33 das 105 empresas no Novo Mercado consultadas.)
RC – Ou seja, foi o fato de descer a detalhes que levou à rejeição da proposta?
AC – Sim. Houve um excessivo detalhamento apenas para um mecanismo de fixação de preço. Descer a detalhes é uma característica brasileira, está em nossa cultura, é uma tentação na qual todos caímos. Digo isso porque nós mesmos, na Abrasca, durante o trabalho de elaboração de nosso código de autorregulação às vezes nos surpreendemos nessa prática.
RC – Com a revisão terminada, as atenções se voltam agora para os objetivos ambiciosos de médio prazo que a Bolsa estabeleceu: chegar a 2014 com cinco milhões de investidores individuais e, naquele mesmo ano, ter dobrado o número de companhias do pregão. Qual é sua opinião a respeito dessas metas?
AC – Olho de forma extremamente otimista ambos os projetos. No caso da atração de mais investidores pessoas físicas, a Bolsa já provou ser capaz, pois fez isso ao longo dos últimos anos. Um dos grandes sucessos no Brasil foi inserir tanta gente nova no mercado, por força de um processo educacional que tem êxito, ao qual a Bolsa, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e as próprias entidades de mercado dão grande valor.
Quanto à atração de mais empresas, obviamente a Abrasca vai ser uma parceira muito grande nesse projeto. Certamente, a ABVCA (Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital) tem grande interesse. Quando a gente fala de capital aberto, não fala apenas de empresas que se registram na CVM e podem fazer operações de dívida; a gente realmente quer vê-las no mercado de ações. Nesse ponto, o Brasil tem de invejar outros mercados – como a Índia, que, salvo engano, tem 5 mil empresas abertas, ou Hong-Kong, em cuja bolsa são negociadas mais de mil empresas. O Brasil tem certamente um potencial de possuir mais de mil companhias listadas. Tenho a impressão de que, para que esse processo tenha sucesso no Brasil, será necessário olhar dois pontos: redução de custo e flexibilização de regras.
Uma das queixas das empresas quanto à abertura de capital é o custo que têm para manter tal condição – nesse ponto, custo, a Bovespa já pensou, ao criar o segmento BovespaMais. Mas a flexibilização deve passar pelo terreno regulatório: simplificar regras. Por exemplo, o regulador obriga a empresa de capital aberto fazer publicações mais extensas; sabemos que essa publicação custa dinheiro. A questão do custo vale não apenas para pequenas empresas, mas para grandes também. Outro desafio no esforço de atrair novas companhias ao mercado é vencer a resistência natural delas, dada a origem familiar da maioria. É um tema de alta complexibilidade, mas o que se tem visto é que a Bovespa, quando se dedica a determinado trabalho, normalmente o faz. E muito benfeito. Não é um trabalho que apresente resultado em curtíssimo prazo, mas acredito que para companhias de menor porte, desde que haja êxito na flexibilização de normas e na redução de custos, possa haver um aumento significativo de aberturas de capital; as grandes, também afastados aqueles empecilhos, vão requerer um esforço extra de convencimento.
RC – Há indícios de que tais empecilhos possam ser removidos?
AC – Percebo que o pessoal da Bovespa já tem em mente alguma coisa com relação à flexibilização regulatória. O BovespaMais tem tudo para ser um sucesso absoluto, desde que ganhe aqueles componentes adicionais – garantia de redução de custos e flexibilização. Creio que a Bovespa abordará esses temas e a Abrasca será grande incondicional. Isso porque a maior preocupação de longo prazo que a Abrasca tem é exatamente esta: o pequeno número de empresas de capital aberto, apesar do valor expressivo delas, quando se vê o valor de mercado.
RC – Vamos falar de outro tema prioritário para a entidade: o Código de Autorregulação das companhias abertas, que, a esta altura, já deve estar saindo do forno.
AC – Mas até o fim deste mês encerramos a fase de ouvir comentários das entidades de mercado. Temos uma reunião do conselho marcada para o dia 28 (de outubro), na qual pretendemos aprovar o código. Depois da aprovação iniciaremos uma série de eventos dos mais variados tipos, para dar conhecimento ao mercado. Já temos acertado, por exemplo, um seminário em parceria com a CVM para o lançamento – que pode passar para o ano que vem, tendo em vista que o tempo é muito curto.
RC – A tarefa exigiu muito esforço?
AC – Esse trabalho, iniciado em março do ano passado, foi um processo um pouco mais longo do que imaginávamos. É que tomamos o cuidado de formar um grupo de trabalho, coordenado pelo Luiz Spínola, vice-presidente da Abrasca, constituído por seis advogados bastante conhecidos e familiarizados com o mercado de capitais, quatro experientes profissionais de relações com investidores e um representante desse grupo de empresas que chegaram mais recentemente à Bolsa. Dessa for­ma, ficaram cercados tanto o lado jurídico quanto os aspectos do cotidiano das empresas. Exigiu muita reflexão durante todo o tempo, mas é preciso ressaltar que recebemos um incentivo muito grande da CVM, com a qual trocávamos idéias.
RC – O que pode adiantar do código?
AC – Conforme disse anteriormente, nos disciplinamos para não produzir uma peça excessivamente detalhada. A essência do código é que determinados princípios de governança corporativa sejam adotados por todas as empresas, tanto as que já estão nos segmentos especiais da Bolsa, que são 40% do total, quanto as demais 60%. Além disso, é um documento que servirá de guia para as companhias que estejam pensando em abrir o capital. Aos princípios básicos do código as empresas têm de aderir obrigatoriamente. Depois, há aqueles complementos – regras ou recomendações – que estão sujeitos ao “pratique ou explique” (comply or explain), que é um princípio de transparência. Se determinada empresa não quiser adotar uma regra, terá de registrar por que está fazendo isso. Estamos discutindo com a CVM que essas explicações, de uma forma muito objetiva, sejam registradas também no Formulário de Referência (documento que as empresas têm de encaminhar obrigatoriamente à reguladora, por força da Instrução 480), em uma seção a ser criada especialmente para isso. No mais, o código transita pelos vários temas relevantes da governança corporativa, da responsabilidade dos administradores – conselho de administração e diretoria –, que é uma preocupação constante da CVM. Outros pontos que merecem destaque no código são: controles internos/gestão de riscos, partes relacionadas e, finalmente, as operações societárias – fusões e aquisições.
RC – Este último caso está em discussão de maior profundidade, isto é, se pretende criar aqui o take-over panel, um órgão regulador específico para aquele tipo de operação, nos moldes do que já existe no Reino Unido. Como está essa discussão?
AC – No ano passado, durante o 11º Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais, a Maria Helena (Santana, presidente da CVM) colocou como desafio para a Abrasca assumir a responsabilidade sobre a discussão daquele órgão. Nossa posição é a de que não caberia a uma só entidade tocar esse projeto, já que ele interessa não só às empresas de capital aberto, como aos bancos de investimento, associações de investidores e outros players do mercado financeiro. Voltamos à CVM e explicamos essa posição, o que foi recebido muito bem. Então, foi formado um fórum que está discutindo o tema, patrocinado pela BM&FBovespa, do qual estão participando a Abrasca, Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), e IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Creio que essa discussão terá uma evolução positiva, mas vamos segmentar o tema.
RC – No início da entrevista, o senhor citou como os dois grandes acontecimentos de vulto neste ano a reforma do Novo Mercado e dos segmentos especiais e a capitalização da Petrobras. O que significa o segundo para o mercado?
AC – Imagino que, terminada a operação, agora vão ser concluídos aqueles IPOs que estavam retidos, pois de início se esperava que o lançamento da Petrobras fosse para junho ou julho, acabou atrasando e as empresas preferiram ficar aguardando na fila. Vai ser muito positivo para o mercado, mas não acredito que deva se esperar um número muito grande de operações, até porque é uma janela de tempo muito curta, pois o calendário praticamente se esgota na primeira quinzena de novembro. Para sentir a volta de volumes grandes vamos ter de aguardar um pouco. É muito improvável um retorno ao padrão de 2007 (ano recordista, no qual se registraram 76 lançamentos de ações, 64 deles IPOs) mas estou relativamente otimista em relação a 2011. Creio que teremos um movimento significativo em termos de empresas que estão entrando no mercado.
RC – Quais são as prioridades anotadas na agenda da Abrasca para 2011?
AC – A primeira, naturalmente, é a implantação prática do código de autorregulamentação. Além disso, a Abrasca vai se dedicar fortemente, em parceria com a BM&FBovespa ao processo de estimular mais empresas a abrir o capital – insistindo naqueles dois pontos dos quais falei anteriormente, flexibilização de normas e redução de custos. Em terceiro lugar, vamos nos manter atentos para o tema da carga tributária, que é sempre uma prioridade, pois impede que as empresas tenham uma disponibilidade maior para investimentos e, pelo que observamos, é a maior restrição ao crescimento da economia brasileira. O preço da neutralidade tributária é a eterna vigilância.
Fonte: Revista Razão Contábil

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