Às vésperas da eleição renovam-se as esperanças de mudança. Governo mais republicano, crescimento econômico com justiça social, reformas política, tributária e previdenciária são chavões que figuram na agenda dos candidatos ao Planalto, levando o cidadão-eleitor a sonhar com o fim dos cotidianos assaltos aos cofres públicos, segurança no emprego, melhoria da renda familiar, serviços públicos de melhor qualidade, menor carga de impostos, sistema tributário mais justo e eficiente, etc. A sonhar, enfim, com o crescimento da felicidade nacional bruta.
Dentre as promessas de campanha, a da reforma tributária tem ocupado pálido destaque na plataforma dos candidatos. Nada é explicitado e se repetem platitudes que há anos vêm sendo recitadas, como “redução da carga tributária”, “simplificação do sistema”, “fim da guerra fiscal” e quejandos. Promete-se reduzir a carga tributária no mesmo discurso em que se anuncia aumento no gasto público, como se isso fosse possível sem formidável desarranjo nas contas do governo.
A contradição inserta nessa gauche equação, declaração explícita de irresponsabilidade fiscal, desanima os analistas mais esclarecidos que não têm como não concluir que a questão fiscal não está sendo levada a sério. Dentre as reformas institucionais, a tributária é a mais ansiosamente aguardada, pois o sistema atual está sufocando a competitividade do setor produtivo. A carga tributária no Brasil cresce ano após ano, acompanhando a trajetória dos gastos públicos inúteis, dos desperdícios e das roubalheiras. Não é por outra razão que, apesar dos recorrentes aumentos de arrecadação, a dívida pública continua crescendo e exige esforço fiscal cada vez maior para pagamento dos juros sobre ela incidentes.
Os juros nominais da dívida pública nos últimos oito meses equivaleram a 5,36% do Produto Interno Bruto (PIB), tendo devorado 15,3% de toda a carga tributária que, por sua vez, devorou 35% do PIB do período! Nesses oito meses, entretanto, o governo só conseguiu poupar para pagamento dos juros – o tal superávit primário – o equivalente a 2,07% do PIB, ou apenas 39% do necessário. Os outros 61% (ou 3,29% do PIB) foram honrados com dívida nova. Comportou-se, pois, como aquele endividado que entra no cheque especial para pagar os juros do cartão de crédito…
A armadilha fiscal que espera o próximo presidente não é pequena, e neste contexto parece ingenuidade esperar algum alívio na carga de impostos. Quanto à implantação da reforma tributária, tratada como algo menor, que poderá ser feita no próximo mês de janeiro, também não dá para ser otimista. É memorável a solene declaração do presidente Lula em abril de 2003, quando descia a rampa do palácio com um projeto de reforma tributária debaixo do braço, acompanhado dos 27 governadores: “fiz em três meses a reforma que o governo anterior não conseguiu fazer em oito anos”, referindo-se à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 41/2003. Pois é. Oito anos depois e sucessivas PECs de reforma tributária, nada aconteceu. Ou melhor, o sistema tributário piorou muito!
Conflitos distributivos de toda ordem permeiam o debate da reforma tributária, e o federativo – cuja superação perpassa por delicado equacionamento político – é o mais tenso deles. Enquanto isso, o caos tributário vem ofendendo profundamente a competitividade do setor produtivo nacional.
Nesse festival de irracionalidades, tem posição de relevo o ICMS, imposto estadual que representa 19% da carga tributária total e 85% da arrecadação dos Estados. A administração desse imposto, focada quase que exclusivamente na busca insana de aumento de arrecadação e/ou de novas bases tributárias, tem provocado ineficiências de toda ordem, além da insegurança jurídica que deixa em pânico o contribuinte.
Tributação sobre bens de capital e de uso e consumo; apropriação indevida, pelos Estados, do ICMS cobrado nas operações que antecedem as exportações; guerra fiscal; pirataria fiscal alimentada por surrealistas concessões de benefícios de ICMS às importações, em verdadeiro crime de lesa-pátria; adoção generalizada da substituição tributária que deturpa a sua natureza de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), transformando-o em exótico “IVA monofásico”, são exemplos de abortos tributários que comprometem a saúde da economia brasileira.
É, pois, desalentador ver que os temas religiosos estejam tendo mais destaque do que os fiscais no debate eleitoral.
Fonte: O Estado de São Paulo