Um investidor espalha um falso boato numa sala de chat e depois compra, discretamente, as ações subitamente valorizadas pelo rumor. Outro faz pequenas operações em série com um papel para passar a impressão de atividade ou variação de preço. Um terceiro, um broker, aproveita a ordem de um cliente poderoso para fazer uma operação em sua conta pessoal, beneficiando-se do movimento de preço que segue a execução de grandes transações.
Jogadas como estas são comuns no meio financeiro e muito difíceis de se detectar. Mas, a partir do segundo semestre, o mercado brasileiro começa a contar com uma nova ferramenta para peneirar todas essas informações, permitindo a conexão, por exemplo, da notícia plantada pelo investidor com a ordem de compra de ações feita por ele pouco tempo depois. O sistema de filtro é baseado numa série de algoritmos e está sendo desenvolvido por uma empresa italiana, a SIA-SSB, a pedido da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que quer alçar seu sistema de supervisão a um novo patamar.
“O recurso mais importante de um sistema de supervisão é a habilidade de discriminar, dentro de volumes enormes de transações, algo que possa fazer parte de um comportamento abusivo”, explicou Deborah Traversa, da SIA-SSB, à Agência Estado.
Cerca de um milhão de transações executadas pela BM&FBovespa e pela Cetip serão analisadas todos os dias, incluindo ordens de compra e venda de ações, derivativos, títulos de diferentes mercados, incluindo o futuro e o de balcão. Documentos que podem influenciar as cotações também estarão no crivo, como chats, relatórios de análise, recomendações de compra e material de agências de notícias. Tudo será coletado, analisado e armazenado diariamente pelo sistema, batizado de SAI-Eagle.
Na mira. Segundo a CVM, as ações isoladamente não chamam a atenção, mas, em conjunto, revelam abusos e crimes contra o mercado financeiro, como manipulação e uso de informação privilegiada (“insider”) – ambos passíveis de prisão. “Poderemos focar em quem abusa do mercado mesmo em manobras não completamente evidentes”, disse a presidente da CVM, Maria Helena Santana, em sua última entrevista à Agência Estado.
A CVM comprou o último equipamento no fim de 2010 e técnicos italianos já estão na autarquia, com amparo da consultoria Tata Consultancy Services do Brasil, trabalhando na integração do sistema com os mercados brasileiros e no treinamento de equipe local. A previsão da CVM é que a fase de integração, treino e testes possa terminar ainda neste primeiro semestre, com chances de início das operações no segundo semestre.
O sistema da SIA-SSB tem versões personalizadas usadas por mais de cem intermediários na Europa, onde é utilizado para monitorar e controlar manipulações no mercado, seguindo os padrões internacionais.
É possível fazer buscas por período de tempo, volume, valor, identificando a operação por emissor, investidor (incluindo insiders) e intermediário, por exemplo. Os filtros poderão identificar conflitos de interesse e os abusos mais cometidos no mercado.
Fonte: O Estado de SP