Por Milena Mangabeira e Luiz Fernando Menezes
Não é verdade que pedreiros, empregadas domésticas e vendedores ambulantes serão obrigados a emitir notas fiscais a partir de janeiro de 2026. Os posts que fazem essa alegação distorcem regras estipuladas pela reforma tributária, que, na realidade, não obrigam a formalização de trabalhadores ou a emissão de documentos fiscais por pessoas físicas.
O conteúdo enganoso foi enviado por leitores do Aos Fatos à Fátima, nossa robô checadora (fale com a Fátima). As postagens distorcidas ainda alcançaram ao menos 188 mil curtidas no Instagram, 27 mil compartilhamentos no Facebook e centenas de compartilhamentos no X até a tarde desta sexta-feira (26). Os posts ainda circulam no Threads.
São enganosas as publicações que alegam que as mudanças promovidas pela reforma tributária obrigarão trabalhadores autônomos, como pedreiros e empregadas domésticas, a emitir notas fiscais a partir do ano que vem. Os posts distorcem as mudanças promovidas pela nova lei e ignoram as normas específicas de cada setor.
Em nota ao Aos Fatos, o Ministério da Fazenda afirmou que a reforma não obriga pessoas físicas a emitirem documentos fiscais ou trabalhadores autônomos a se formalizarem. “A formalização como MEI (microempreendedor individual) ou empresa continua sendo, em regra, uma opção do próprio trabalhador”, destacou a pasta.
Luís Garcia, especialista em direito tributário e sócio do MLD Advogados, também afirmou ao Aos Fatos que a reforma tributária não impõe a pessoas físicas a obrigação de emitir nota fiscal.
“A obrigação de emitir NFS-e recai sobre contribuintes do imposto, ou seja, prestadores de serviços enquadrados como pessoa jurídica ou equiparados, conforme legislação municipal e, futuramente, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços)”.
Garcia pondera que a habitualidade — termo usado para descrever situações em que há frequência na prestação de um serviço — por si só não cria a obrigação tributária formal para a emissão de nota fiscal.
Os posts ainda fazem confusão ao tratar trabalhadores autônomos como trabalhadores informais, que não emitem nota fiscal. Pedreiros, domésticas e vendedores ambulantes formalizados continuam seguindo as mesmas regras tributárias. Já os trabalhadores informais, que atuam à margem da legislação, continuarão existindo da mesma maneira.
Antes da reforma, as regras eram as seguintes:
- Emissão de nota fiscal: cada município tinha um modelo próprio para emissão do documento;
- MEI: em geral, não eram obrigados a emitir nota, salvo em casos de prestação de serviço ou venda para outras pessoas jurídicas em que clientes solicitassem o documento ou quando o produto vendido tivesse que ser enviado ao cliente;
- Empregadas domésticas: a atuação era regida pela lei complementar nº 150/2015, conhecida como PEC das Domésticas. Segundo a lei, elas deveriam ser registradas pelo empregador. Diaristas, por outro lado, podem ser formalizadas como MEI;
- Vendedores ambulantes: o comércio ambulante, teoricamente, deve ser formalizado, já que as prefeituras exigem licenças e regularização sanitária. Caso estivesse registrado como MEI, o trabalhador seguiria as mesmas regras explicadas acima.
Como fica a partir de janeiro de 2026:
- Emissão de nota fiscal: municípios são obrigados a usar o modelo nacional. As cidades podem emitir a NFS-e por meio de sistema próprio ou usando um emissor gratuito diretamente da plataforma nacional. Vale ressaltar que o novo modelo já vem sendo usado por centenas de municípios;
- MEI: a reforma tributária não altera as regras para os microempreendedores individuais;
- Empregadas domésticas: a reforma não altera as regras da PEC das Domésticas;
- Vendedores ambulantes: no caso dos que atuam na informalidade, a reforma não obriga a emissão de notas. A única mudança que pode impactar o setor é a criação da nova categoria de nanoempreendedor, na qual se enquadram trabalhadores de renda anual de até R$ 40,5 mil. Esses trabalhadores serão isentos dos novos impostos.
Garcia ressalta que uma das principais mudanças promovidas pela reforma tributária é o aumento da fiscalização. Segundo o especialista, a Receita terá maior capacidade de cruzamento entre informações bancárias, declarações de Imposto de Renda e contratos recorrentes, o que facilita autuações por omissão de receita e “pejotização” irregular.
Em nota pública, a CNM (Confederação Nacional dos Municípios), também disse que haverá aumento da fiscalização. “Antes da LC 214/2025 [que regulamentou a reforma], cada esfera de governo operava de forma autônoma, com sistemas isolados e pouca comunicação entre si. Esse modelo fragmentado gerava redundâncias, inconsistências e dificultava o combate efetivo à sonegação e à evasão fiscal”.
Tanto a lei complementar que mudou as regras de emissão como o texto-base da reforma tributária foram aprovadas pelo Congresso em 2023 e passam a valer a partir de janeiro do ano que vem.
A nova regra cria o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) e outros dois impostos a partir da unificação de tributos já existentes:
- O CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) irá unificar o PIS (Programa de Integração Social), o Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) — todos federais;
- Já o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) será o resultado da junção do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e do ISS (Imposto Sobre Serviços), cobrados por estados e municípios, respectivamente.
https://www.aosfatos.org/noticias/pedreiros-domesticas-ambulantes-nota-fiscal-janeiro