Como a reforma tributária vai impactar as bonificações no varejo

Por Alessandro Borges

No ambiente competitivo do varejo, é comum que fornecedores concedam uma série de descontos e incentivos para impulsionar as vendas de seus produtos e melhorar sua presença nas lojas. Essas práticas são frequentemente chamadas de bonificaçõese podem influenciar desde o posicionamento dos produtos nas lojas até a renovação de estoques. Com a implementação da reforma tributária, esse cenário ganha ainda mais relevância, já que a natureza desses incentivos poderá alterar o cálculo e a incidência dos novos tributos sobre consumo.

No setor supermercadista, por exemplo, é comum que fabricantes ofereçam descontos ou mercadorias bonificadas para garantir melhor exposição de seus produtos nas gôndolas. Essa visibilidade ampliada tende a impulsionar o giro e consolidar marcas em meio à concorrência. Já no segmento automotivo, quando um novo modelo é lançado, montadoras frequentemente concedem incentivos especiais às concessionárias para facilitar a venda dos veículos remanescentes do modelo anterior, contribuindo para a renovação eficiente dos estoques.

Esses são apenas alguns entre os inúmeros tipos de incentivos praticados no mercado, que inclui verbas cooperadas, apoio a ações promocionais, bonificações por desempenho e diversas outras formas de estímulo para alinhar interesses entre fornecedores e varejistas.

Incentivos em práticas comerciais

Nesse cenário, contudo, é essencial diferenciar dois grandes grupos de práticas comerciais: os incentivos com contraprestação e os incentivos sem contraprestação. Essa distinção não apenas reflete a natureza econômica de cada operação, mas também tem impacto direto no tratamento contábil, jurídico e tributário aplicável. Entender essa separação será fundamental para o correto enquadramento fiscal e para evitar riscos de autuação no ambiente tributário pós reforma tributária.

Esse tema já foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em 2023 proferiu decisões relevantes, ainda que divergentes, sobre a tributação de descontos e bonificações concedidos por fornecedores ao varejo. Em abril de 2023, no julgamento do REsp 1.836.082, a 1ª Turma concluiu que os descontos concedidos ao varejista, ainda que dependam de contraprestação, não devem ser submetidos à tributação pelo PIS e pela Cofins de responsabilidade do adquirente. Segundo a relatora, ministra Regina Helena Costa, quando analisados do ponto de vista do comprador, esses descontos condicionados a contraprestações pelo adquirente, representam abatimentos no custo de aquisição, e não ingressos que possam ser caracterizados como receita tributável.

Por sua vez, em dezembro de 2023, ao julgar o REsp 2.090.134, a 2ª Turma adotou posicionamento distinto e acolheu o pedido da Fazenda Nacional, reconhecendo a legalidade da cobrança de PIS e Cofins sobre descontos e bonificações obtidos por uma rede de supermercados. Segundo o relator, ministro Francisco Falcão, os descontos incondicionais somente afastam a incidência das contribuições quando estão expressamente destacados na nota fiscal, exigência prevista no artigo 12, §1º, II, do Decreto-Lei 1.598/77, formalidade que não teria sido atendida no caso concreto.

Além disso, o ministro ressaltou que a rede varejista oferecia contrapartidas comerciais aos fornecedores, como participação em promoções e posicionamento privilegiado dos produtos nas gôndolas, o que descaracterizaria a natureza incondicional dos descontos. Diante disso, entendeu-se que tais benefícios deveriam compor a base de cálculo do PIS e da Cofins.

Mudanças com a reforma tributária

No contexto da reforma tributária, a análise desses incentivos ganha novos contornos, especialmente diante das regras estabelecidas pela Lei Complementar nº 214/2025, que disciplina o IBS e a CBS. O artigo 5º, ao tratar das hipóteses de incidência, determina em seu inciso II que o fornecimento de brindes e bonificações integra o campo de tributação dos novos tributos. Contudo, o §1º do mesmo artigo faz uma ressalva importante: essa incidência não se aplica às bonificações devidamente indicadas no documento fiscal e que não dependam de evento posterior.

Na prática, o legislador reproduz a lógica histórica dos descontos incondicionais, já discutida no âmbito do PIS/Cofins, preservando o entendimento de que somente haverá afastamento da tributação quando o benefício estiver claramente destacado na nota fiscal e não estiver condicionado a qualquer tipo de ação futura pelo varejista.

Em complemento, o artigo 12 da LC 214/2025 reforça essa estrutura ao definir que a base de cálculo da IBS e da CBS corresponde ao valor total da operação, incluindo, em seu inciso III, os descontos concedidos sob condição. Assim, sempre que o desconto depender de uma condição futura, o valor correspondente será tributado, consolidando no novo sistema o mesmo tipo de distinção que historicamente marcou o tratamento entre incentivos condicionados e incondicionais.

Nesse ponto surge um problema operacional relevante, decorrente da atual ausência de regulamentação detalhada da reforma tributária. Como vimos, a LC 214/2025 estabeleceu que as bonificações registradas na nota fiscal e desvinculadas de qualquer evento posterior não compõem a base de cálculo da IBS e da CBS. Por outro lado, sempre que houver contraprestação por parte do adquirente, isto é, quando a bonificação estiver condicionada a alguma obrigação futura, o valor correspondente deverá integrar a base dos dois tributos.

Tipos de bonificações criam confusão

A dificuldade, entretanto, está em conciliar essa distinção legal com as múltiplas práticas comerciais do varejo. Há situações em que o fornecedor concede uma bonificação “pura e simples”, sem qualquer contrapartida, mas após a emissão da nota fiscal; nesses casos, embora o desconto não seja incondicional para fins formais, tampouco há obrigação assumida pelo varejista, o que indica que a operação tende a ser tributada pela IBS e pela CBS sem maiores complexidades operacionais.

O problema se intensifica quando tratamos das bonificações com contraprestação, que são extremamente comuns no varejo, como a concessão de incentivos em troca de melhor posicionamento nas gôndolas, ações promocionais, utilização do centro de distribuição do varejista para recebimento de grandes volumes ou serviços logísticos prestados indiretamente ao fornecedor.

Nessas situações, surge uma dúvida: a contraprestação oferecida pelo varejista configura, ela própria, operação onerosa para fins de IBS e CBS? Em caso afirmativo, seria necessário que o varejista emitisse nota fiscal pela contraprestação? Ou seria possível entender que apenas a bonificação concedida pelos fornecedores estaria sujeita à tributação pelo IBS e pela CBS?

Regulamentação no futuro

Caso a futura regulamentação venha a definir que não há obrigação de emissão de nota fiscal pelo varejista, por entender que essas contrapartidas integram ajustes comerciais e não configuram operação autônoma, esse tratamento produzirá um efeito colateral imediato para a indústria: na ausência do documento fiscal, o fornecedor não poderá se creditar do IBS e da CBS incidentes sobre a contraprestação, reduzindo a atratividade econômica do modelo de bonificação condicionada.

Assim, no novo cenário tributário, existe o risco de que determinadas bonificações, hoje consideradas estratégicas na relação entre indústria e varejo, deixem de ser vantajosas, na medida em que podem vir a ser tributadas pelo IBS e pela CBS. Soma-se a isso a ausência de regulamentação específica, gerando incerteza e falta de clareza sobre o tratamento fiscal aplicável entre as partes.

Por fim, ressaltamos que, com a eventual pacificação futura pelo STJ, os contribuintes terão melhor direcionamento sobre como tratar, do ponto de vista tributário e econômico-financeiro, a questão das bonificações. Isso porque o que o STJ vier a decidir em relação ao passado (PIS/Cofins) deverá, de certa forma, orientar também o tratamento a ser adotado no futuro. Assim, os contribuintes devem permanecer atentos ao desfecho da matéria, a fim de definir estratégias futuras quanto ao uso das bonificações.

https://www.conjur.com.br/2025-dez-29/como-a-reforma-tributaria-vai-impactar-as-bonificacoes-no-varejo

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