Brasília, quarta-feira, 10 de março de 2010
Domados pela Receita Nova estrutura criada pelo Fisco quer desmontar estratégia de grandes corporações destinada à sonegação de tributos. O ganho irregular ocorre durante os processos de fusão e aquisição de empresas a partir de contratos forjados para pagar menos imposto Deco Bancillon
A Receita Federal vai fechar o cerco aos investidores que abusaram de brechas na legislação tributária para sonegar imposto. A ideia é identificar possíveis fraudes em operações de fusão e aquisição que permitiram o abatimento de grandes despesas no Imposto de Renda. Um levantamento feito no ano de 2007, por exemplo, mostrou que o rombo no caixa da União com operações similares a essas ultrapassava os R$ 100 bilhões. Para tentar reaver parte dessa perda, o Fisco decidiu passar um pente-fino nas operações de compra feitas por 838 grandes empresas de São Paulo. Essa será a principal atribuição da delegacia que a Receita vai criar no estado, e que depois será levada para as outras unidades da Federação. O Fisco desconfia que haja um grande número de operações forjadas por meio de contratos sobrevalorizados, em que o valor pago nessas aquisições ultrapassasse várias vezes o preço base do negócio avaliado pelo mercado. Esse esquema permitiu a grandes grupos empresariais reduzirem os desembolsos com tributos de duas formas. Primeiro, porque reduz-se o lucro declarado que a empresa teria caso não tivesse feito a compra acima do valor de mercado. Nesse caso, ao informar ao Fisco um resultado menor, o grupo paga menos Imposto de Renda. Fraude Segundo explicou ele, o valor pago a mais pelo negócio, o chamado ágio, pode ser inflado artificialmente caso a empresa que tenha fechado a compra indique ter uma excelente rentabilidade para o negócio no futuro, o que justificaria pagar um valor entre oito ou 10 vezes maior. Esse valor, entretanto, poderá ser abatido no Imposto de Renda no futuro, transferindo o ônus da má compra ao Estado. “O empresário tenta viabilizar negócios. A Receita não concorda porque, obviamente, as receitas que vão para ela são menores. Mas não existe impedimento legal para isso até o momento”, advertiu o advogado tributarista Lúcio Abrahão, sócio-diretor da consultoria BDO. Além da Receita, também o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investigam a prática. “A CVM regula e combate isso. Ela tem hoje sob controle cerca de 300 empresas, que são as grandes sociedades anôminas. Mas esse universo é muito maior”, alertou o subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Marcos Vinícius Neder. Em suas palavras, o entendimentos da CVM é o de que esse ágio interno não pode gerar redução do lucro. “Nesse aspecto, surgiu um contexto de enfrentamento da Receita a essas operações. As empresas têm alta capacidade contributiva e o Fisco quer apurar melhor isso”, disse. Batalha Para todas as outras operações, entretanto, a ideia da Receita é levar isso para a esfera jurídica. “O desafio é como fiscalizar isso e gerar uma autuação consistente, justa, que vai ser mantida pelo Judiciário e pelo Carf. Afinal, o embate é técnico. Precisamos provar que essas operações, nada mais são, que um castelo de cartas, disse Neder. 1 – Artifício Empresas fantasmas A brecha na legislação que permite a uma pessoa jurídica deduzir do Imposto de Renda valores pagos em operações de compra e venda de empresas não é o único atalho utilizado por sonegadores. Além de poder abater 20% do valor da aquisição a cada ano, durante cinco anos, o empresário é autorizado a usar na transação comercial, além de dinheiro vivo, o ativo que bem entender. Isso quer dizer que ele pode ceder aos acionistas do empreendimento ações de uma empresa fantasma, criada por ele próprio, para inflar o valor da transação. O subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Marcos Vinícius Neder, explicou como funciona a manobra: “Geralmente fica tudo dentro do mesmo grupo. Cria-se do nada uma empresa para isso, paga-se pelas ações a mais, e depois incorpora-se a empresa comprada. Para isso, diz-se por um laudo qualquer que a empresa comprada vale mais do que realmente vale. Esse ágio diminui o lucro da empresa que, de fato, efetuou a compra, o que gera uma perda de arrecadação para a Receita”, afirmou. Essa prática é comum, sobretudo porque não há impedimento legal. As duas leis criadas para endurecer as regras da utilização do ágio, a Lei n° 11.638, de 2007, e a Lei nº 11.941, de 2009, apenas impuseram limites à farra. “Essas leis, no modo geral, disseram que o ágio continua existindo, só que o negócio tem de ser levado ao valor presente, e isso reduz o tamanho do ágio. Isso só diminui o efeito da compensação de tributos, o que tornou, de certo modo, as operações de fusões menos atrativas do ponto de vista da compensação”, pontuou o advogado tributarista Lúcio Abrahão, sócio-diretor da BDO. (DB)
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Fonte: Correio Braziliense – DF |
Domados pela Receita
Brasília, quarta-feira, 10 de março de 2010
Domados pela Receita Nova estrutura criada pelo Fisco quer desmontar estratégia de grandes corporações destinada à sonegação de tributos. O ganho irregular ocorre durante os processos de fusão e aquisição de empresas a partir de contratos forjados para pagar menos imposto Deco Bancillon
A Receita Federal vai fechar o cerco aos investidores que abusaram de brechas na legislação tributária para sonegar imposto. A ideia é identificar possíveis fraudes em operações de fusão e aquisição que permitiram o abatimento de grandes despesas no Imposto de Renda. Um levantamento feito no ano de 2007, por exemplo, mostrou que o rombo no caixa da União com operações similares a essas ultrapassava os R$ 100 bilhões. Para tentar reaver parte dessa perda, o Fisco decidiu passar um pente-fino nas operações de compra feitas por 838 grandes empresas de São Paulo. Essa será a principal atribuição da delegacia que a Receita vai criar no estado, e que depois será levada para as outras unidades da Federação. O Fisco desconfia que haja um grande número de operações forjadas por meio de contratos sobrevalorizados, em que o valor pago nessas aquisições ultrapassasse várias vezes o preço base do negócio avaliado pelo mercado. Esse esquema permitiu a grandes grupos empresariais reduzirem os desembolsos com tributos de duas formas. Primeiro, porque reduz-se o lucro declarado que a empresa teria caso não tivesse feito a compra acima do valor de mercado. Nesse caso, ao informar ao Fisco um resultado menor, o grupo paga menos Imposto de Renda. Fraude Segundo explicou ele, o valor pago a mais pelo negócio, o chamado ágio, pode ser inflado artificialmente caso a empresa que tenha fechado a compra indique ter uma excelente rentabilidade para o negócio no futuro, o que justificaria pagar um valor entre oito ou 10 vezes maior. Esse valor, entretanto, poderá ser abatido no Imposto de Renda no futuro, transferindo o ônus da má compra ao Estado. “O empresário tenta viabilizar negócios. A Receita não concorda porque, obviamente, as receitas que vão para ela são menores. Mas não existe impedimento legal para isso até o momento”, advertiu o advogado tributarista Lúcio Abrahão, sócio-diretor da consultoria BDO. Além da Receita, também o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investigam a prática. “A CVM regula e combate isso. Ela tem hoje sob controle cerca de 300 empresas, que são as grandes sociedades anôminas. Mas esse universo é muito maior”, alertou o subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Marcos Vinícius Neder. Em suas palavras, o entendimentos da CVM é o de que esse ágio interno não pode gerar redução do lucro. “Nesse aspecto, surgiu um contexto de enfrentamento da Receita a essas operações. As empresas têm alta capacidade contributiva e o Fisco quer apurar melhor isso”, disse. Batalha Para todas as outras operações, entretanto, a ideia da Receita é levar isso para a esfera jurídica. “O desafio é como fiscalizar isso e gerar uma autuação consistente, justa, que vai ser mantida pelo Judiciário e pelo Carf. Afinal, o embate é técnico. Precisamos provar que essas operações, nada mais são, que um castelo de cartas, disse Neder. 1 – Artifício Empresas fantasmas A brecha na legislação que permite a uma pessoa jurídica deduzir do Imposto de Renda valores pagos em operações de compra e venda de empresas não é o único atalho utilizado por sonegadores. Além de poder abater 20% do valor da aquisição a cada ano, durante cinco anos, o empresário é autorizado a usar na transação comercial, além de dinheiro vivo, o ativo que bem entender. Isso quer dizer que ele pode ceder aos acionistas do empreendimento ações de uma empresa fantasma, criada por ele próprio, para inflar o valor da transação. O subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Marcos Vinícius Neder, explicou como funciona a manobra: “Geralmente fica tudo dentro do mesmo grupo. Cria-se do nada uma empresa para isso, paga-se pelas ações a mais, e depois incorpora-se a empresa comprada. Para isso, diz-se por um laudo qualquer que a empresa comprada vale mais do que realmente vale. Esse ágio diminui o lucro da empresa que, de fato, efetuou a compra, o que gera uma perda de arrecadação para a Receita”, afirmou. Essa prática é comum, sobretudo porque não há impedimento legal. As duas leis criadas para endurecer as regras da utilização do ágio, a Lei n° 11.638, de 2007, e a Lei nº 11.941, de 2009, apenas impuseram limites à farra. “Essas leis, no modo geral, disseram que o ágio continua existindo, só que o negócio tem de ser levado ao valor presente, e isso reduz o tamanho do ágio. Isso só diminui o efeito da compensação de tributos, o que tornou, de certo modo, as operações de fusões menos atrativas do ponto de vista da compensação”, pontuou o advogado tributarista Lúcio Abrahão, sócio-diretor da BDO. (DB)
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Fonte: Correio Braziliense – DF |