Uma reforma da tributação da renda, como a proposta pelo governo Lula na semana passada, possui um desafio adicional em relação às mudanças na tributação sobre o consumo: não há um modelo consagrado internacionalmente.
A reforma tributária que muda os impostos sobre consumo, aprovada no Brasil em 2023 e que está sendo regulamentada neste ano, tem como referência um sistema criado há mais de 60 anos na Europa que se espalhou pelo mundo. Há diferenças, mas, nos fóruns internacionais, ninguém discute IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O que está na ordem do dia é o debate sobre tributação de lucros corporativos e rendas milionárias.
No Brasil, dois temas caros à esquerda são a tributação de lucros e dividendos e o Imposto sobre Grandes Fortunas, embora os governos do PT nunca tenham apresentado propostas nesse sentido.
Na semana passada, Ministério da Fazenda colocou na mesa uma nova etapa da reforma da tributação da renda: aumento da faixa de isenção do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) para R$ 5.000 com imposto mínimo sobre ganhos mensais acima de R$ 50 mil, mirando inclusive a distribuição de lucros e dividendos, hoje isenta.
Conforme análise já publicada nesta Folha, a combinação das duas medidas têm impactos distributivos positivos, embora os valores possam ser melhor calibrados. Também não há certeza se e quando o projeto será aprovado no Congresso.
Quando o ministro Paulo Guedes (Economia) propôs tributar dividendos em 2021, ofereceu como contrapartida a redução dos tributos sobre o lucro das empresas. Após o anúncio do governo Lula, muitos tributaristas cobraram essa revisão.
Caso o Congresso Nacional decida analisar a questão em 2025, será utilizado o discurso de que as companhias brasileiras pagam 34% sobre os seus resultados, valor que representa a alíquota nominal e está bem acima da tributação corporativa internacional média.
O número, no entanto, não reflete a realidade. Há estudos de pelo menos quatro fontes (Receita Federal, FGV Ibre, Ipea e Observatório Fiscal da União Europeia) que apontam um valor próximo de 20% como o mais correto para essa discussão. Isso para as grandes empresas, que são responsáveis pelo pagamento de 30% dos dividendos no país. Os outros 70% estão submetidos a regimes tributários com cargas ainda mais reduzidas. Essa é a carga efetiva de IRPJ/CSLL após a aplicação de benefícios tributários.
A tributação de todo o lucro na pessoa jurídica, com isenção da sua distribuição na pessoa física, aplicada no Brasil, é uma exceção no cenário internacional. Se esse fosse um sistema mais simples, fácil de fiscalizar e justo, seria adotado também por outros países.
Temos um sistema que tributa de acordo com o porte da empresa, mas não considera a capacidade contributiva dos sócios; uma alíquota nominal elevada combinada com benefícios que vão contra o princípio da neutralidade.
A revisão desse sistema também é urgente. Esperava-se um projeto mais completo por parte do governo, após a regulamentação da reforma do consumo. A proposta apresentada na semana passada ainda carece de explicações e ajustes.
RELATÓRIO
Falando em reforma tributária, está prevista para esta semana a apresentação do relatório sobre a regulamentação dos tributos que entram em vigor em 2026. A ideia é votar neste ano o primeiro projeto, que trata das regras gerais, incluindo nele a questão do comitê formado por estados e municípios. A discussão sobre tributação de heranças fica para 2025.
https://www1.folha.uol.com.br/blogs/que-imposto-e-esse/2024/12/empresas-nao-pagam-34-de-imposto-de-renda-no-brasil.shtml