Por José Adriano
Quando a gente fala de inteligência artificial, a pergunta certa não é se ela vai chegar ao seu setor, mas outra, bem mais incômoda: se a IA desembarcasse amanhã na sua área, quem ganharia relevância – você ou alguém mais preparado? Foi com esse ponto de partida que conversei com o Tiziano Peres, especialista em IA e desenvolvimento de sistemas, no episódio 14 do podcast José Adriano Talks. E, como em todo bom papo que mexe com fundamentos, o tema rapidamente deixou de ser tecnologia e virou gente, estratégia, cultura e segurança.
Um dos pontos centrais da nossa conversa foi o impacto da IA nas pessoas. Do operacional ao C-level, a sensação é parecida: vamos ter que desaprender muita coisa e reaprender quase tudo. Aquilo que a gente faz “há anos” não é mais garantia de relevância. O profissional que insiste em se definir apenas pela tarefa que executa – preencher relatório, conferir planilha, montar conciliação, elaborar minuta – corre o risco de ser substituído não pela IA em si, mas por alguém que saiba usar IA para fazer melhor, mais rápido e com mais inteligência.
Nas empresas, o recado é ainda mais duro: é hora de revisar quase tudo. Descrição de cargos que não conversam com a realidade, processos desenhados para um mundo pré-IA, sistemas pensados para outra lógica de dados e de segurança… e, em paralelo, Reforma Tributária, pressões regulatórias e um ambiente competitivo cada vez mais apertado. A metáfora que usamos no episódio foi direta: não é mais trocar o pneu com o carro andando; é trocar a asa com o avião voando, em alta velocidade e lá em cima. Dá trabalho, mas adiar essa revisão sai mais caro.
O erro mais comum que tenho visto, e que o Tiziano também enxerga na prática, é tratar IA como um “problema de TI”. Empurra-se o tema para o CIO ou para o gerente de tecnologia, como se fosse só escolher mais um sistema, contratar mais um fornecedor, plug-and-play. Só que IA é, antes de tudo, pauta de negócio. TI viabiliza, mas quem precisa dizer “para quê”, “onde” e “como” são o board, a diretoria e os donos de processo. O principal gargalo hoje não é tecnológico, é de imaginação: falta espaço e coragem para redesenhar o que realmente importa.
Quando a gente destrava o campo das ideias, os exemplos aparecem rápido. No comercial, dá para ter um funil de vendas sempre atualizado a partir das conversas reais com clientes, sem exigir horas de digitação do vendedor. É possível usar IA para analisar o histórico de mensagens de WhatsApp e e-mail e sugerir abordagens inteligentes para quebrar objeções de propostas “janeladas”. No financeiro, a mesma lógica vale para leitura de DRE, análise de desempenho, identificação de gastos fora da curva e até prevenção à fraude. No RH, IA ajuda a fazer fit técnico de currículos com vagas e a atualizar descrições de cargos para uma realidade em que trabalhar com IA passa a ser parte do trabalho.
Mas nada disso faz sentido se a conversa sobre segurança, privacidade e LGPD ficar de fora. No episódio, separamos três camadas. Ferramentas públicas e gratuitas, nas quais “se o produto é de graça, provavelmente o produto é você”. Ferramentas pagas, que já permitem algum controle sobre o uso dos dados, mas ainda exigem cautela. E ambientes de IA privados, em que modelos e dados rodam em infraestrutura controlada pela empresa, permitindo usar com mais tranquilidade informações fiscais, financeiras e sensíveis. Mesmo assim, uma regra simples continua valendo: sempre que puder, despersonalize. Para avaliar aderência técnica de um currículo, a IA não precisa de nome, CPF ou endereço.
Para dar o primeiro passo em governança, não é necessário um calhamaço de políticas. Três perguntas já separam empresas minimamente conscientes das que estão no escuro: quem está usando IA hoje dentro da sua organização? Quais ferramentas estão sendo usadas? Para fazer o quê, exatamente? Se você não consegue responder, a luz vermelha deveria acender. A partir daí, é possível definir quem pode usar, em quais processos, com quais dados e em quais ferramentas autorizadas, criando um mínimo de disciplina num cenário em que copiar e colar dados sensíveis em qualquer chatbot virou tentação diária.
Pequenas e médias empresas costumam achar que isso “é conversa para grande empresa”, mas não é bem assim. Não se trata de montar um laboratório sofisticado, e sim de estabelecer prioridade. Escolher pelo menos uma solução de IA paga com critérios, criar um pequeno grupo de estudo multidisciplinar, reservar uma hora por semana para discutir usos, riscos e aprendizados, e conectar tudo isso ao caixa e à estratégia. A empresa que fizer isso antes, mesmo sendo pequena, sai na frente de muito gigante desorganizado.
No fim das contas, a grande questão não é se a IA vai substituir pessoas, e sim que tipo de profissional você decide ser diante dessa realidade. A IA tende a substituir atividades e tarefas, não seres humanos inteiros. Quem se mantiver preso à tarefa corre mais risco. Quem se move, aprende, redesenha processos e usa a IA como segundo cérebro tende a ganhar relevância. Gosto da imagem que o Tiziano trouxe: a IA cuida da camiseta de produção em massa; o profissional relevante é o alfaiate, raro, customizado, capaz de entregar algo que a máquina não entrega – contexto, ética, empatia e responsabilidade.
Este artigo é um desdobramento do episódio “Inteligência Artificial com estratégia e segurança | EP 14 José Adriano Talks”, disponível em vídeo no YouTube e em áudio nas principais plataformas.
Ouça e participe:
O episódio completo está disponível no Spotify e demais plataformas de áudio. Links em https://www.joseadrianotalks.com.br/