Mercado de trabalho: Escassez leva “Big Four” a formar profissionais e a disputar os mais experientes. Vívian Soares | De São Paulo A retomada da temporada de IPOs em 2011, as mudanças na adoção das regras contábeis pelas companhias e a falta de profissionais com formação em contabilidade têm feito as grandes empresas de auditoria se movimentarem em busca de talentos. A procura é tanta que as chamadas “Big Four” – Deloitte, Ernst & Young Terco, KPMG e pwc – decidiram, este ano, aumentar o número de vagas para seus programas de trainees, tradicional porta de entrada nessas organizações. Além disso, estão recorrendo a headhunters com mais frequência que no passado e apostando em novos programas de recrutamento. É o caso da KPMG, que este ano implementou um processo seletivo para atrair profissionais mais experientes, o KPMG International Case Competition (KICC). De acordo com a diretora de RH Adriana Zanni, a ideia é contratar 40 pessoas com, no mínimo, três anos de atuação no mercado. “Desde o ano passado estamos revendo as estratégias de atração e retenção de talentos”, diz. Uma das decisões da auditoria foi iniciar o KICC no Brasil, programa que, segundo ela, dá bons resultados em outros países. Adriana diz que a demanda por auditores cresceu 30% em 2011. O aumento na procura pode ser explicado pelas empresas não especializadas em auditoria, que passaram a disputar esses profissionais desde o ano passado. Segundo Ricardo Haag, diretor da empresa de recrutamento Asap, o fim da crise fez as empresas olharem mais “para dentro”, com o objetivo de ganhar eficiência em processos e governança. “Nessa situação, as estruturas de auditoria tiveram que ser reforçadas”, afirma. Haag conta que essa necessidade das empresas, principalmente nos setores de construção civil, engenharia, infraestrutura e papel e celulose, valorizou o perfil de quem é formado nas grandes auditorias. “Além da boa qualificação e do domínio de inglês, esses executivos passam por treinamentos intensivos e são altamente especializados”, justifica. O assédio já é visto com normalidade pelas empresas. “Sabemos que somos fornecedores de bons profissionais para o mercado”, afirma Ellen Macedo, gerente de recrutamento da Deloitte. Ela conta que o turnover já é esperado antes mesmo da contratação. “Vamos recrutar 600 pessoas no programa de novos talentos este ano. Esse número já leva em conta o turnover considerado ‘saudável’ para a empresa”, explica a gerente, adiantando que o número de profissionais selecionados deve aumentar 20% em 2011. Para tentar atrair e reter, a solução tem sido investir na melhoria do pacote de benefícios, já que o mercado é agressivo quando contrata auditores experientes. “Nas empresas de auditoria, a remuneração fica aquém da oferecida pelas indústrias, onde os salários estão inflacionados”, diz Haag. Segundo ele, o salário anual de um auditor fica entre R$ 60 mil e R$ 200 mil, dependendo do currículo e da experiência. Segundo Maurício Nagy, gerente da consultoria Page Personnel, os principais desafios de retenção para as grandes auditorias serão revisar o desenvolvimento de carreira dos funcionários e a remuneração, considerada um “gargalo” importante. “A média salarial desses profissionais nas grandes auditorias é conservadora, então, elas terão dificuldade de encaixar perfis e salários”. Nagy afirma, porém, que este ano as indústrias não devem ser tão agressivas na remuneração, porque pedir o dobro do salário para mudar de emprego parece ter se tornado um hábito entre esses profissionais. “As empresas serão coerentes à experiência de cada um e não vão oferecer salários exorbitantes”, diz. Como a maior parte dos auditores não é senior, a tendência é que ofertas exageradas não sejam cobertas. As grandes auditorias, no entanto, começaram a revisar seus planos de remuneração para se tornar mais competitivas em relação às indústrias. Na Deloitte, por exemplo, o impacto nos salários já começou a acontecer no ano passado. Segundo Ellen Macedo, os reajustes salariais de 2010 – incluindo os bônus – foram maiores que os dos anos anteriores em todos os níveis profissionais. João César Lima, sócio da pwc responsável pela área de RH, afirma que os principais fatores de retenção dos auditores, além do salário são os desafios de carreira e o status dentro da companhia. “Em uma auditoria, a contabilidade é a atividade principal. Já nas outras empresas, ela é menos valorizada e conta com uma estrutura mais modesta”, compara. O nível de qualificação, considerado um dos principais diferenciais de carreira dessas empresas, também acaba sendo uma ferramenta de retenção. A exigência da formação em contabilidade fez com que elas financiassem cursos de graduação para os funcionários interessados em atuar em auditoria. A KPMG pagou 95% da faculdade de ciências contábeis do gerente Leandro Lopes. Com formação em administração de empresas, ele entrou como trainee já visando atuar como auditor. “Assim que terminei a segunda graduação, em 2009, fui promovido a supervisor”, conta Leandro, que se tornou gerente no ano passado. Financiar a faculdade de contabilidade foi apenas uma das soluções encontradas pelas empresas para combater a falta de gente com as qualificações específicas exigidas pela profissão. A KPMG, que deve aumentar quase 10% o número de trainees contratados este ano, tem acelerado os processos de contratação. “Em algumas fases da seleção, o candidato recebe o feedback no mesmo dia para se sentir mais comprometido com a empresa”, conta Adriana Zanni. Na Ernst & Young Terco, encontrar um profissional com as qualificações requeridas significa contratação imediata. “Quem tem experiência é selecionado na hora”, afirma o sócio André Viola Ferreira. Ele conta que a companhia pretende selecionar duas turmas de trainees anuais para conseguir suprir a demanda por talentos. No ano passado, o programa recrutou 440 jovens, número que deve quase dobrar em 2011. O aumento de vagas nos programas, porém, não deve ser suficiente. Ricardo Haag, da Asap, afirma que houve uma “quebra de paradigmas” no sistema de seleção de profissionais dessas empresas. Enquanto antes a principal porta de entrada dos profissionais eram os programas de trainee, hoje em dia elas têm recorrido com mais frequência aos headhunters. Armando Bordallo, diretor de RH da Ernst & Young Terco, afirma que a prioridade continua sendo a contratação de trainees, mas a busca por profissionais experientes no mercado também é realidade. “Contratamos de outras fontes, como empresas de auditoria e escritórios de contabilidade”, diz.
Novo perfil requer mais habilidades gerenciais O perfil de profissional valorizado pelas empresas de auditoria mudou nos últimos cinco anos. Antes visto como um técnico com conhecimentos profundos em contabilidade, hoje o auditor precisa ter características como liderança, flexibilidade e dinamismo. “As companhias não abrem mão de encontrar o profissional com o perfil certo. Muitas vezes, elas topam pagar mais ou esperar para encontrar o candidato ideal, mas não cedem quanto às características requeridas para o cargo”, afirma Ricardo Haag, diretor da consultoria Asap. A demanda leva em conta a rotina e as novas exigências do mercado. João César Lima, sócio da pwc responsável pela RH, afirma que o auditor é muito mais exigido do que há alguns anos. “A formação precisa ser mais abrangente. O conhecimento técnico é apenas o básico: conhecimento de línguas e habilidades gerenciais são cada vez mais importantes”, explica. Com uma rotina intensa, o gerente da KPMG Leandro Lopes destaca uma característica essencial: a flexibilidade. “A cada dia o profissional vivencia situações de negócios diferentes. Por isso é importante ter capacidade de adaptação e comunicação”, diz. Segundo André Viola Ferreira, sócio da Ernst & Young Terco, a visão estratégica do negócio se tornou um diferencial importante para o profissional, especialmente com a implementação das novas normas contábeis nas companhias. “É preciso conhecer economia, governança e conceitos de matemática para se aprofundar no ambiente da empresa e no seu setor”, afirma. O dinamismo do dia a dia, para ele, também atrai profissionais com alto nível de energia e com perfil “mão na massa”. “É um trabalho para quem não gosta de ficar quieto, pois envolve visitas a clientes, discussões, argumentações e análise de dados.” (VS) |
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Fonte: Valor Econômico |
Na briga por talentos, auditorias usam headhunters e buscam novos trainees
Mercado de trabalho: Escassez leva “Big Four” a formar profissionais e a disputar os mais experientes. Vívian Soares | De São Paulo A retomada da temporada de IPOs em 2011, as mudanças na adoção das regras contábeis pelas companhias e a falta de profissionais com formação em contabilidade têm feito as grandes empresas de auditoria se movimentarem em busca de talentos. A procura é tanta que as chamadas “Big Four” – Deloitte, Ernst & Young Terco, KPMG e pwc – decidiram, este ano, aumentar o número de vagas para seus programas de trainees, tradicional porta de entrada nessas organizações. Além disso, estão recorrendo a headhunters com mais frequência que no passado e apostando em novos programas de recrutamento. É o caso da KPMG, que este ano implementou um processo seletivo para atrair profissionais mais experientes, o KPMG International Case Competition (KICC). De acordo com a diretora de RH Adriana Zanni, a ideia é contratar 40 pessoas com, no mínimo, três anos de atuação no mercado. “Desde o ano passado estamos revendo as estratégias de atração e retenção de talentos”, diz. Uma das decisões da auditoria foi iniciar o KICC no Brasil, programa que, segundo ela, dá bons resultados em outros países. Adriana diz que a demanda por auditores cresceu 30% em 2011. O aumento na procura pode ser explicado pelas empresas não especializadas em auditoria, que passaram a disputar esses profissionais desde o ano passado. Segundo Ricardo Haag, diretor da empresa de recrutamento Asap, o fim da crise fez as empresas olharem mais “para dentro”, com o objetivo de ganhar eficiência em processos e governança. “Nessa situação, as estruturas de auditoria tiveram que ser reforçadas”, afirma. Haag conta que essa necessidade das empresas, principalmente nos setores de construção civil, engenharia, infraestrutura e papel e celulose, valorizou o perfil de quem é formado nas grandes auditorias. “Além da boa qualificação e do domínio de inglês, esses executivos passam por treinamentos intensivos e são altamente especializados”, justifica. O assédio já é visto com normalidade pelas empresas. “Sabemos que somos fornecedores de bons profissionais para o mercado”, afirma Ellen Macedo, gerente de recrutamento da Deloitte. Ela conta que o turnover já é esperado antes mesmo da contratação. “Vamos recrutar 600 pessoas no programa de novos talentos este ano. Esse número já leva em conta o turnover considerado ‘saudável’ para a empresa”, explica a gerente, adiantando que o número de profissionais selecionados deve aumentar 20% em 2011. Para tentar atrair e reter, a solução tem sido investir na melhoria do pacote de benefícios, já que o mercado é agressivo quando contrata auditores experientes. “Nas empresas de auditoria, a remuneração fica aquém da oferecida pelas indústrias, onde os salários estão inflacionados”, diz Haag. Segundo ele, o salário anual de um auditor fica entre R$ 60 mil e R$ 200 mil, dependendo do currículo e da experiência. Segundo Maurício Nagy, gerente da consultoria Page Personnel, os principais desafios de retenção para as grandes auditorias serão revisar o desenvolvimento de carreira dos funcionários e a remuneração, considerada um “gargalo” importante. “A média salarial desses profissionais nas grandes auditorias é conservadora, então, elas terão dificuldade de encaixar perfis e salários”. Nagy afirma, porém, que este ano as indústrias não devem ser tão agressivas na remuneração, porque pedir o dobro do salário para mudar de emprego parece ter se tornado um hábito entre esses profissionais. “As empresas serão coerentes à experiência de cada um e não vão oferecer salários exorbitantes”, diz. Como a maior parte dos auditores não é senior, a tendência é que ofertas exageradas não sejam cobertas. As grandes auditorias, no entanto, começaram a revisar seus planos de remuneração para se tornar mais competitivas em relação às indústrias. Na Deloitte, por exemplo, o impacto nos salários já começou a acontecer no ano passado. Segundo Ellen Macedo, os reajustes salariais de 2010 – incluindo os bônus – foram maiores que os dos anos anteriores em todos os níveis profissionais. João César Lima, sócio da pwc responsável pela área de RH, afirma que os principais fatores de retenção dos auditores, além do salário são os desafios de carreira e o status dentro da companhia. “Em uma auditoria, a contabilidade é a atividade principal. Já nas outras empresas, ela é menos valorizada e conta com uma estrutura mais modesta”, compara. O nível de qualificação, considerado um dos principais diferenciais de carreira dessas empresas, também acaba sendo uma ferramenta de retenção. A exigência da formação em contabilidade fez com que elas financiassem cursos de graduação para os funcionários interessados em atuar em auditoria. A KPMG pagou 95% da faculdade de ciências contábeis do gerente Leandro Lopes. Com formação em administração de empresas, ele entrou como trainee já visando atuar como auditor. “Assim que terminei a segunda graduação, em 2009, fui promovido a supervisor”, conta Leandro, que se tornou gerente no ano passado. Financiar a faculdade de contabilidade foi apenas uma das soluções encontradas pelas empresas para combater a falta de gente com as qualificações específicas exigidas pela profissão. A KPMG, que deve aumentar quase 10% o número de trainees contratados este ano, tem acelerado os processos de contratação. “Em algumas fases da seleção, o candidato recebe o feedback no mesmo dia para se sentir mais comprometido com a empresa”, conta Adriana Zanni. Na Ernst & Young Terco, encontrar um profissional com as qualificações requeridas significa contratação imediata. “Quem tem experiência é selecionado na hora”, afirma o sócio André Viola Ferreira. Ele conta que a companhia pretende selecionar duas turmas de trainees anuais para conseguir suprir a demanda por talentos. No ano passado, o programa recrutou 440 jovens, número que deve quase dobrar em 2011. O aumento de vagas nos programas, porém, não deve ser suficiente. Ricardo Haag, da Asap, afirma que houve uma “quebra de paradigmas” no sistema de seleção de profissionais dessas empresas. Enquanto antes a principal porta de entrada dos profissionais eram os programas de trainee, hoje em dia elas têm recorrido com mais frequência aos headhunters. Armando Bordallo, diretor de RH da Ernst & Young Terco, afirma que a prioridade continua sendo a contratação de trainees, mas a busca por profissionais experientes no mercado também é realidade. “Contratamos de outras fontes, como empresas de auditoria e escritórios de contabilidade”, diz.
Novo perfil requer mais habilidades gerenciais O perfil de profissional valorizado pelas empresas de auditoria mudou nos últimos cinco anos. Antes visto como um técnico com conhecimentos profundos em contabilidade, hoje o auditor precisa ter características como liderança, flexibilidade e dinamismo. “As companhias não abrem mão de encontrar o profissional com o perfil certo. Muitas vezes, elas topam pagar mais ou esperar para encontrar o candidato ideal, mas não cedem quanto às características requeridas para o cargo”, afirma Ricardo Haag, diretor da consultoria Asap. A demanda leva em conta a rotina e as novas exigências do mercado. João César Lima, sócio da pwc responsável pela RH, afirma que o auditor é muito mais exigido do que há alguns anos. “A formação precisa ser mais abrangente. O conhecimento técnico é apenas o básico: conhecimento de línguas e habilidades gerenciais são cada vez mais importantes”, explica. Com uma rotina intensa, o gerente da KPMG Leandro Lopes destaca uma característica essencial: a flexibilidade. “A cada dia o profissional vivencia situações de negócios diferentes. Por isso é importante ter capacidade de adaptação e comunicação”, diz. Segundo André Viola Ferreira, sócio da Ernst & Young Terco, a visão estratégica do negócio se tornou um diferencial importante para o profissional, especialmente com a implementação das novas normas contábeis nas companhias. “É preciso conhecer economia, governança e conceitos de matemática para se aprofundar no ambiente da empresa e no seu setor”, afirma. O dinamismo do dia a dia, para ele, também atrai profissionais com alto nível de energia e com perfil “mão na massa”. “É um trabalho para quem não gosta de ficar quieto, pois envolve visitas a clientes, discussões, argumentações e análise de dados.” (VS) |
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Fonte: Valor Econômico |